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Copacabana como trincheira: 41,8 mil em defesa da democracia contra a PEC da Blindagem e a anistia

Rio de Janeiro — Sob o sol de primavera, a praia de Copacabana se converteu em arena política. Estimativas do Cebrap e da ONG More in Common apontam que 41,8 mil pessoas participaram do ato contra a PEC da Blindagem e o projeto de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. Mais do que um protesto, o encontro simbolizou a recusa de parte expressiva da sociedade brasileira em aceitar retrocessos democráticos travestidos de “ajustes institucionais”.

Ameaça disfarçada de reforma

A PEC da Blindagem é apresentada por seus defensores como mecanismo de “garantia da independência parlamentar”. Na prática, críticos a enxergam como um escudo jurídico para políticos, dificultando processos contra parlamentares acusados de corrupção, abuso de poder ou ligação com esquemas ilícitos.

Já o projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro não é visto como gesto de reconciliação, mas como uma tentativa de reescrever a história recente, apagando crimes que atentaram contra a Constituição. O risco, segundo analistas, é normalizar a violência política e abrir caminho para que futuras investidas contra a democracia sejam tratadas como meros desvios de rota.

O recado das ruas

O mar de gente que ocupou Copacabana não se limitou a palavras de ordem. Havia uma narrativa coletiva: a democracia, apesar de imperfeita, precisa de proteção constante. Cartazes traziam frases como “Blindagem é impunidade” e “Democracia não se anistia”.

A escolha do local, palco tradicional de grandes atos políticos no Rio, reforçou a dimensão simbólica. Onde turistas costumam ver apenas ondas e quiosques, a multidão transformou a praia em trincheira cívica.

O peso da cultura na resistência

A presença de artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Djavan deu ao protesto um tom que ultrapassou a política institucional. A música virou manifesto. Cada verso cantado em coro com a multidão serviu como lembrança de que a cultura é também território de disputa democrática.

O contraste foi nítido: enquanto parte do Congresso trabalha para blindar-se, a sociedade respondeu com arte e participação popular.

As contradições do Congresso

O que se viu em Copacabana é reflexo de um Congresso cada vez mais distante da sociedade que diz representar. Ao mesmo tempo em que discute propostas que beneficiam políticos investigados, ignora pautas urgentes como desigualdade social, violência urbana e crise climática.

A manifestação expôs essa fratura: parlamentares discutem autodefesa; cidadãos pedem justiça e futuro.

Democracia em teste

O Brasil vive um momento de tensão em que o passado recente — simbolizado pelos ataques golpistas de janeiro de 2023 — ainda ecoa. Anistiar esses atos não seria um gesto de paz, mas de esquecimento seletivo. E blindar parlamentares significaria institucionalizar a impunidade.

Por isso, o ato em Copacabana vai além da contagem de cabeças. É a demonstração de que a democracia brasileira, tantas vezes subestimada, encontra energia de resistência nas ruas.

Conclusão: O dia em que a praia falou

O protesto de 41,8 mil pessoas mostrou que a democracia ainda encontra quem a defenda em alto e bom som. Copacabana, cenário de tantos capítulos da história política nacional, escreveu mais uma página: a recusa em aceitar que privilégios parlamentares e anistias injustificadas substituam o princípio básico da República — a igualdade de todos perante a lei.

Se a PEC e o projeto de anistia avançarem, restará a imagem desse domingo como lembrança incômoda aos legisladores: quando a política fecha os ouvidos, a praia fala. E fala alto.

A democracia entre blindagens e anistias: e agora?

O ato em Copacabana foi mais do que um domingo de vozes na praia: foi um aviso. Não se trata apenas de rejeitar a PEC da Blindagem ou a anistia aos golpistas; trata-se de decidir que tipo de país o Brasil quer ser.

A pergunta que ecoa após a dispersão da multidão é simples, mas incômoda: uma democracia pode sobreviver quando o esquecimento é institucionalizado e a impunidade é legalizada?

Se a resposta for não — e tudo indica que deveria ser — então a luta não terminou com os 41,8 mil de Copacabana. Ela apenas começou. Porque a democracia não é herança garantida; é obra diária, construída nas ruas, nas urnas, no debate público.

Blindagens e anistias podem proteger indivíduos, mas jamais protegerão a história. Mais cedo ou mais tarde, ela cobra. E quando cobrar, ficará registrado que, naquele domingo de setembro, milhares escolheram estar do lado da memória, da justiça e da verdade.

Talvez a lição mais importante seja esta: a democracia brasileira, tão frágil e tão forte, não se defende sozinha — ela exige voz, corpo e coragem.

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