O Brasil amanheceu órfão de um de seus maiores alquimistas sonoros. Hermeto Pascoal, o “Bruxo da Música Universal”, morreu neste sábado, 13 de setembro de 2025, aos 89 anos, no Rio de Janeiro. Internado no Hospital Samaritano, não resistiu às complicações de saúde e partiu cercado pela família. A causa oficial foi falência múltipla dos órgãos.
A notícia correu o mundo como um acorde inesperado — daqueles que Hermeto tanto gostava de soltar em seus improvisos. E, assim como em sua música, até a despedida foi poética: no instante de sua morte, sua banda estava no palco, tocando. Ele partiu do jeito que viveu — embalado por sons.
Do sertão ao infinito
Nascido em Lagoa da Canoa (AL), em 1936, albino e recluso ao sol, Hermeto descobriu cedo que a vida podia ser ouvida. O coaxar dos sapos, o vento nas árvores, o bater das mãos — tudo lhe servia de partitura. Transformou o cotidiano em orquestra.
Da sanfona de menino no sertão, ele chegou ao mundo: encantou Miles Davis, revolucionou a música instrumental, atravessou fronteiras sem nunca perder o sotaque brasileiro.
Poucos artistas no mundo conseguem transformar o simples ato de respirar em música. Hermeto Pascoal, o “Bruxo dos Sons”, faz isso há décadas: extrai melodias do sopro, da água, das panelas, do corpo humano e até dos ruídos mais banais da vida cotidiana. Aos 88 anos, ele segue como um dos maiores expoentes da música universal — termo que ele mesmo cunhou para se libertar das etiquetas de “jazz”, “chorinho” ou “música popular brasileira”.
O menino albino do sertão
Nascido em 1936, no povoado de Lagoa da Canoa (AL), Hermeto cresceu rodeado por silêncio e imaginação. Por causa do albinismo, não podia brincar sob o sol do sertão; em vez disso, refugiava-se no som. O assobio do vento, o coaxar dos sapos, o barulho da água batendo nas pedras — tudo se tornava partitura invisível. Seu primeiro instrumento foi uma sanfona, mas rapidamente a vida lhe mostrou que qualquer coisa poderia ser transformada em música.
Do forró ao infinito
A carreira de Hermeto começou em rádios e grupos de forró, mas ganhou projeção internacional nos anos 1960 e 1970, quando tocou com nomes como Airto Moreira, Flora Purim e Miles Davis. O lendário trompetista norte-americano o chamou de “o mais impressionante músico do planeta”.
Não era exagero: Hermeto desafiava as regras da harmonia e do ritmo, escrevia partituras para orquestras inteiras de improviso e experimentava sons que pareciam saídos de outro mundo. Sua música não cabia em fronteiras.
A alquimia do cotidiano
Hermeto é conhecido por transformar o banal em extraordinário. Um bule com água fervendo, um porco no chiqueiro, um teclado mergulhado em uma lagoa — tudo vira som, tudo vira obra. Em suas mãos, a música deixa de ser produto e se torna processo: um estado de invenção permanente.
Ele mesmo resume: “Não existe som feio. Existe som mal aproveitado.”
Obra viva e inesgotável
Compositores costumam contar sua obra em discos ou partituras. Hermeto conta em universos. Além de mais de 40 álbuns, escreveu a monumental “Calendário do Som”, uma coletânea de 366 composições, uma para cada dia do ano (incluindo 29 de fevereiro). É como se tivesse decidido presentear o mundo com uma música diária, eterna.
Suas composições misturam baião, jazz, chorinho, atonalismo, improviso radical, mas sempre com um DNA brasileiro inconfundível. Escutá-lo é mergulhar em um país inteiro de sons, que vai do sertão alagoano às orquestras internacionais.
O mestre e seus discípulos
Hermeto nunca foi apenas músico; é também mestre. Sua forma de ensinar é tão livre quanto sua criação: não há método rígido, não há cartilha. Ele instiga seus músicos a buscar sua própria voz, a ouvir o silêncio e transformar o inesperado em beleza. Muitos dos maiores instrumentistas brasileiros passaram por sua convivência, e todos falam do mesmo legado: a coragem de inventar.
Hermeto Pascoal não é apenas um músico. É um alquimista que nos lembra de algo essencial: a música está em tudo. No sopro do vento, no tilintar de um copo, no coração que bate.
E talvez seja isso que torne sua obra eterna: ela não pertence apenas às salas de concerto, mas à própria vida.
Uma eternidade audível
Hermeto partiu, mas sua música permanece como vento: não se vê, mas se sente. Para muitos, ouvir sua obra agora será como manter uma conversa com ele — viva, vibrante, inacabada.
A família pediu que a tristeza dê lugar à escuta: “Ouçam o canto dos pássaros, o som da cachoeira, o tilintar de um copo. Hermeto continua aí.”
O bruxo se foi, mas o feitiço permanece. E o silêncio que ele deixou nunca será vazio: será música esperando para ser ouvida.









