Na manhã de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, há uma cena que se repete há quase oito décadas: o Brasil é o primeiro país a subir à tribuna. Trata-se de uma tradição única no sistema internacional, que confere ao país um protagonismo simbólico desproporcional à sua força militar ou econômica.
A explicação está na história. Quando a ONU foi criada em 1945, em São Francisco, o Brasil esteve entre os signatários da Carta da organização. No ano seguinte, ao iniciar-se a rotina das sessões, surgiu um impasse: nenhuma potência queria se arriscar a abrir os debates. O discurso inaugural era visto como delicado, pois fixava o tom da reunião antes mesmo de saber quais posições seriam defendidas pelos demais.
Foi o Brasil quem assumiu a responsabilidade. À época, sua diplomacia era reconhecida como moderada e de baixo risco, capaz de inaugurar os trabalhos sem gerar confrontos imediatos. O gesto de voluntariado se transformou em hábito e, com o tempo, em regra não escrita. Desde então, todos os anos, o primeiro discurso da Assembleia Geral pertence ao Brasil.
Para além da tradição, o ato também funciona como capital político. Abrir a reunião significa ganhar visibilidade global antes de qualquer outro líder. É nesse espaço que presidentes brasileiros, de diferentes correntes ideológicas, moldaram sua imagem internacional: de Getúlio Vargas a Dilma Rousseff, de Fernando Henrique Cardoso a Lula.
O simbolismo não é irrelevante. A ONU completa 80 anos em 2025, em meio a questionamentos sobre sua eficácia diante de guerras, mudanças climáticas e disputas comerciais. Nesse cenário, a prerrogativa brasileira de abrir o debate mostra-se uma vitrine: não é apenas a lembrança de um gesto histórico, mas também uma oportunidade de afirmar o país como ator diplomático disposto a dialogar com diferentes blocos de poder.
Assim, ano após ano, o microfone se abre primeiro para o Brasil. Não por acaso, mas porque a tradição se consolidou como parte da liturgia da ONU — e como espaço privilegiado para que o país tente projetar sua voz em um mundo cada vez mais fragmentado.









