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“Clube da Luta” na Ceasa: quando a violência vira espetáculo e reflete um Brasil adoecido

Por Claudia Antunes

A Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu um inquérito para investigar brigas “organizadas” entre trabalhadores dentro da Ceasa, em Irajá, Zona Norte da capital. Um perfil em rede social reuniu diversos vídeos dos confrontos, apelidados de “Clube da Luta da Ceasa”, e viralizou nos últimos dias. As imagens mostram grupos se reunindo em torno de dois homens que trocam socos enquanto outros observam, riem e registram a cena com celulares.

A 27ª DP (Vicente de Carvalho), que já vinha analisando registros de ocorrências anteriores no local, decidiu formalizar a investigação após a repercussão dos vídeos. Segundo as autoridades, as cenas configuram possíveis crimes de lesão corporal, incitação à violência e perturbação da ordem pública. O objetivo agora é identificar os envolvidos tanto os participantes das brigas quanto quem promove e divulga os confrontos nas redes.

Da rotina de trabalho à arena de violência

A Ceasa, maior centro de abastecimento de frutas, legumes e verduras do estado, é conhecida pela movimentação intensa, pelo trabalho pesado e pelo convívio diário de milhares de pessoas. No entanto, o que deveria ser um ambiente de esforço coletivo para garantir o abastecimento alimentar da cidade tem se transformado, em alguns momentos, em um palco de agressividade e brutalidade.

As chamadas “brigas combinadas” não são apenas um desvio de comportamento individual: são o reflexo de um contexto social em que a violência se banaliza e se transforma em entretenimento. Quando o sofrimento do outro vira conteúdo para ser curtido e compartilhado, é sinal de que há algo profundamente errado na forma como lidamos com a dor e com o respeito ao ser humano.

A lógica do espetáculo e a cultura da violência

O fenômeno não é novo, mas ganha nova dimensão na era das redes sociais. O que antes ficava restrito a conversas de bastidores agora é exposto, multiplicado e monetizado pela lógica dos algoritmos que premiam o conteúdo mais chocante, mais agressivo, mais “viral”.

O problema ultrapassa o ato em si. Há quem grave, há quem incentive, há quem ria e há quem consuma esse tipo de conteúdo sem pensar no que ele representa. A violência, neste cenário, deixa de ser vista como algo a ser combatido e passa a ser tratada como forma de diversão. É a espetacularização da barbárie, mascarada por risadas e visualizações.

Trabalho precário e ausência do Estado

A Ceasa também simboliza outro aspecto da realidade brasileira: a precarização das relações de trabalho. Jornadas exaustivas, baixos salários, falta de segurança e ausência de políticas públicas de acolhimento e mediação de conflitos criam um ambiente propício para explosões de raiva e violência.

Quando a tensão do cotidiano se acumula sem válvulas de escape saudáveis, como esporte, lazer ou apoio psicológico, o conflito se transforma em válvula de escape destrutiva. E a omissão das autoridades ao longo dos anos apenas reforça esse cenário de descontrole.

Um alerta para além dos muros da Ceasa

O “Clube da Luta da Ceasa” não é um episódio isolado. É o retrato de um país que convive diariamente com a violência no trânsito, nas escolas, nos estádios, nas redes e no trabalho. A diferença é que agora ela ganha palco e plateia.

O caso exige uma investigação rigorosa, mas também uma reflexão coletiva. O problema não se resolve apenas com prisões ou punições. É preciso discutir as causas: a falta de políticas de convivência nos ambientes de trabalho, o impacto da desumanização cotidiana e a transformação da agressividade em espetáculo digital.

Quando o sangue vira conteúdo e a dor vira entretenimento, a sociedade precisa se perguntar até onde está disposta a ir em nome da distração. O “Clube da Luta” da Ceasa é mais do que uma série de brigas é um espelho do Brasil contemporâneo, onde a violência, o cansaço e a indiferença se misturam em um mesmo ringue.

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