Buenos Aires – A Argentina vive um de seus momentos mais turbulentos sob o governo de Javier Milei, presidente que chegou ao poder com discurso de ruptura total, prometendo “dinamitar o sistema”. Com estilo explosivo e medidas de choque, Milei tenta reconfigurar a economia de um país que já carrega décadas de instabilidade. Mas a pergunta que ecoa em cada esquina de Buenos Aires é: até quando o corpo social aguenta?
A crise econômica, com inflação persistente, corte drástico de gastos públicos e aumento da desigualdade, tem reacendido protestos e polarizações. Para uns, Milei é o último suspiro de ousadia antes do colapso. Para outros, é apenas mais um capítulo de experimentos neoliberais que sempre acabam cobrando seu preço mais alto dos trabalhadores e dos pobres.
🔥 “As veias abertas” seguem sangrando
O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu, em 1971, As Veias Abertas da América Latina, descrevendo um continente explorado, espoliado e permanentemente saqueado por elites internas e interesses externos. Meio século depois, a Argentina de Milei parece um retrato atualizado desse diagnóstico.
• Dependência econômica: a aposta em abrir mercados e cortar regulações reacende a dependência externa, tornando o país vulnerável a pressões internacionais.
• Desigualdade social: as medidas de ajuste, apresentadas como necessárias, aprofundam a exclusão e deixam milhões sem perspectivas imediatas.
• Cultura e identidade: ao atacar intelectuais, artistas e movimentos sociais, Milei reforça um choque cultural que também é político, tentando remodelar a alma argentina.
É como se as veias abertas descritas por Galeano ainda pulsassem, jorrando contradições nunca cicatrizadas.
🌎 Reflexo continental
O que acontece na Argentina não é um caso isolado. Do México ao Brasil, passando por Chile, Colômbia e Peru, a América Latina vive um ciclo de promessas de renovação seguido por decepções, ajustes e crises. O continente, historicamente espremido entre potências globais e elites locais, continua buscando um modelo de desenvolvimento que respeite suas particularidades, mas esbarra em dilemas antigos: quem paga a conta da liberdade de mercado? Quem colhe os frutos da democracia?
❓ O futuro em disputa
• Milei conseguirá estabilizar a economia sem explodir o tecido social argentino?
• O continente conseguirá fechar suas “veias abertas” ou continuará reproduzindo ciclos de esperança e frustração?
• Até que ponto a experiência argentina servirá de alerta — ou de modelo — para outros países latino-americanos?
👉 Entre o choque e a sobrevivência, a Argentina de Milei é mais do que uma crise nacional: é um espelho onde toda a América Latina se olha. E nele, as veias abertas ainda sangram, lembrando que o futuro da região continua em disputa, entre a promessa de liberdade e o risco da repetição histórica.
A Argentina de Milei não é apenas um país em crise — é um território de memórias. Nas ruas de Buenos Aires, o eco das panelas batidas mistura-se ao som das vozes roucas de gerações que já protestaram contra outras promessas. As pessoas carregam no olhar a sensação de déjà-vu: já vimos esse filme, já sangramos por esse roteiro.
As veias da América Latina continuam abertas não porque o passado insiste em voltar, mas porque nunca chegou a cicatrização. Cada ajuste econômico é como uma tesoura que corta mais fundo na carne popular; cada dívida externa é um grilhão invisível que prende o futuro.
Milei fala em “liberdade” como quem distribui panfletos num trem em movimento. Mas que liberdade é essa, quando a escolha de muitos será entre comer e pagar o transporte? Que independência se conquista quando o preço da moeda é ditado por mercados que olham de fora, frios como juízes sem rosto?
O continente inteiro sente esse sopro. Do sertão nordestino ao altiplano andino, do pampa argentino às favelas cariocas, a história parece repetir-se em ciclos de abundância prometida e escassez entregue. Somos, ainda, um continente que exporta riqueza e importa miséria.
E, no entanto, há algo que resiste. Está no mate compartilhado na praça, na música que atravessa fronteiras, na solidariedade que brota quando o Estado falha. As veias abertas sangram, mas também alimentam uma força subterrânea, quase invisível: a certeza de que nenhum corte é capaz de estancar definitivamente o sonho de justiça.
👉 Porque, como diria Galeano, somos feitos de histórias que não se calam — e de esperanças que teimam em nascer, mesmo no solo mais árido.









