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Tarcísio, Brasília e o espectro da anistia

Brasília nunca é a mesma cidade duas vezes. Às vezes é deserto burocrático, às vezes é palco de comoção nacional. Esta semana, a capital voltou a pulsar com um velho fantasma: a anistia. Quem trouxe o assunto de volta ao centro do tabuleiro foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em peregrinação pelos corredores do Congresso.

Sua missão era clara — convencer líderes partidários a endossar uma proposta de perdão ao ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado.

O peso da condenação

A sentença do STF caiu como implosão controlada: esperada por muitos, temida por outros, definitiva para todos. Bolsonaro, agora preso, tornou-se menos personagem de campanha e mais figura de processo.

A reação foi imediata. Grupos fiéis, ainda organizados em torno do mito, clamaram nas redes pela “justiça divina”. Já nas ruas, a temperatura foi outra: pesquisas recentes mostram que a maioria da população rejeita a ideia de anistia. Para grande parte dos brasileiros, perdoar seria abrir mão de um raro momento de responsabilização política.

A volta de Tarcísio

Nos corredores acarpetados da Câmara, Tarcísio circula como quem conhece o terreno. Não gesticula muito, fala baixo, ouve mais do que promete. Traz na pasta números de São Paulo e, na memória, a sombra de Bolsonaro.

Um deputado do centrão, ao vê-lo entrar em um dos salões, cochichou para o colega ao lado:
— Veio com a calculadora, não com o coração.

Outro, mais ácido, comentou:
— Engenheiro bom não é o que constrói, é o que desmonta.

Tarcísio sorriu pouco, mas anotou nomes. Sua estratégia era simples: convencer pela persistência. “Não é questão de paixão, é de estabilidade institucional”, repetiu em pelo menos três gabinetes diferentes.

Bastidores e silêncios

Na sala de uma das lideranças, café morno em copo plástico, o diálogo foi mais direto:

— Governador, o senhor sabe que isso não passa — disse um parlamentar experiente.
— Sei — respondeu Tarcísio, pausado. — Mas também sei que algumas coisas não precisam passar agora. Basta que comecem a andar.

No Senado, a recepção foi mais fria. Um senador veterano, acostumado a negociações de anistias passadas, levantou a sobrancelha e comentou, em tom quase de deboche:
— A história nunca perdoa quem tem pressa.

O Brasil dividido entre perdão e memória

A palavra “anistia” nunca foi neutra no Brasil. Carrega cicatrizes da ditadura e o silêncio imposto nos anos 1970. Quando Tarcísio a pronuncia, Brasília escuta ecos que ele talvez não queira.

Entre apoiadores, o discurso é o da reconciliação. Entre críticos, é visto como atalho perigoso: esquecer sem elaborar, apagar sem aprender.

E no meio, o cidadão comum. Em uma padaria no entorno de Brasília, um cliente resmungava diante da TV ligada no noticiário:
— Perdão é bom, mas cadeia é melhor.

O futuro em disputa

Para Tarcísio, o cálculo é arriscado: ao se alinhar ao destino de Bolsonaro, ele arrisca seu próprio futuro político. Mas abandonar o ex-presidente seria gesto de ruptura que poderia custar caro no eleitorado conservador.

Por ora, ele prefere caminhar em silêncio, registrando apoios, anotando promessas, costurando em silêncio.

Nos próximos meses, o Congresso decidirá se a palavra “anistia” voltará a habitar o Diário Oficial. Mas, como lembrou um assessor em conversa reservada:
— O verdadeiro julgamento não será no plenário. Vai ser nas urnas.

Brasília, por ora, volta a ser espelho do país: dividido, hesitante, entre a lembrança e o esquecimento. Enquanto isso, Tarcísio caminha pelos corredores, carregando o peso de um perdão que, ao que tudo indica, a maioria não quer conceder.

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