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Já é Natal! Pelo menos na Venezuela, por ordem de Maduro

Caracas, Venezuela — Todos os anos, por volta de setembro, um ritual curioso se repete nos microfones estatais venezuelanos: Nicolás Maduro anuncia que o Natal “começa” no dia 1º de outubro. É uma medida que já virou marca registrada do governo chavista desde 2013. Este ano, não foi diferente.

O presidente justifica a antecipação sob palavras diminutas: “defender a felicidade”, “homenagem ao povo”, “unir alegria, cultura e economia”.

Mas uma parte substancial da população — com vozes institucionalizadas — reage desconfortável. A Igreja Católica da Venezuela, por meio da Conferência Episcopal, acusa Maduro de politizar o Natal, de instrumentalizar uma festividade religiosa para fins propagandísticos, em meio a tensões políticas internas e externas.

Espírito religioso vs decreto de Estado

Para a Igreja, o problema central não é meramente estético (árvores, luzes, canções de Natal) ou comercial. É uma questão de autoridade espiritual: quem define quando se celebra o Natal — com sua preparação litúrgica, como o Advento — é a autoridade eclesiástica, não o governo.

Na liturgia católica, o Natal começa oficialmente em 25 de dezembro, com o nascimento de Jesus, estendendo-se até o Dia de Reis em 6 de janeiro. E antes disso há o tempo de preparação, o Advento, que tradicionalmente inicia no início de dezembro.

A Igreja se queixa de que essa antecipação, decretada pelo Estado, confunde o povo, mistura religião e política de um modo que não respeita os tempos espirituais. Que beleza litúrgica há em celebrar com pressa algo que foi organizado há séculos em ciclos de meditação, espera, esperança? E acima de tudo: qual a mensagem quando, num país que enfrenta crise econômica, apagões, escassez de produtos, inflação, o governo decide iluminar ruas em outubro, gastar com decorações, enquanto tantas necessidades básicas são urgentes?

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Política, economia e espetáculo

O decreto não é apenas religioso ou simbólico — é político. Vários analistas e opositores veem nele uma tentativa de distrair. Ou de criar um clima festivo, de “boa nova”, que suavize críticas, protestos ou insatisfação popular. A antecipação costuma vir acompanhada de medidas sociais ou de propaganda institucional: distribuição de alimentos, decorações públicas, arengas patrióticas.

No cenário atual, há tensão com os Estados Unidos, disputas políticas internas, acusações de fraude nas eleições presidenciais, crise econômica agravada. Num desses momentos, o Natal antecipado parece funcionar como um coquetel de alegria forçada, luzes brilhantes sobre rachaduras profundas.

Reações: discordâncias e dilemas

A Conferência Episcopal deixou claro que não reconhece o decreto como capaz de alterar o calendário litúrgico religioso. Afirmou que “o modo e o tempo de celebração” do Natal “compete à autoridade eclesiástica”.

Do outro lado, o governo de Maduro parece desafiar ou minimizar essa autoridade religiosa. Em discursos públicos, o presidente já chegou a confrontar bispos dizendo que “jesus pertence ao povo” e que o Natal “é do povo”, pois “o povo celebra quando quiser celebrar”. Para Maduro, é uma espécie de discurso de empoderamento popular — ainda que muitos vejam nele uma medida simbólica ou de propaganda.

E agora? O que está em jogo
• Identidade religiosa vs controle estatal: que papel a Igreja tem num país onde a maioria é cristã, mas onde o Estado busca afirmar sua influência simbólica também nas expressões culturais religiosas?
• Legitimidade política: usar festividades religiosas como Natal como ferramenta de mobilização ou distração pode surtir efeito — mas pode também criar ressentimento, especialmente se as expectativas criadas (festas, luzes, promessa de felicidade) se chocarem com a dura realidade cotidiana.
• Espiritualidade e calendário litúrgico: para muitos fiéis, a religião não é performática apenas — ela exige tempo de preparação, reflexão, espera. A antecipação contínua pode banalizar o significado do Natal como momento de espera (Advento), de encontro espiritual, de renovação de valores.
• Simbolismo internacional: ações como essa não passam despercebidas. A antecipação do Natal em outubro vira manchete, vira meme, gera críticas internacionais — isso tem custo de imagem. E pode ser mais uma peça no tabuleiro em que regime político e narrativa pública disputam espaço no palco global.

Conclusão provocativa

Maduro antecipa o Natal, sim. Mas isso não significa que ele redefine o sentido profundo do Natal. Há uma diferença entre acender luzes nas praças, orquestrar canções natalinas em outubro, e celebrar o mistério que o Natal carrega — nascimento, esperança, compaixão — no momento em que a fé e a tradição litúrgica permitem.

Decretar um “Natal antecipado” pode até gerar clima festivo — mas pode também se tornar uma distração: luzes que iluminam ruas, mas que talvez apaguem por um momento o incômodo das ruas escuras, da inflação, da crise. E para a Igreja Católica venezuelana, esse decreto é uma linha vermelha: o tempo e o modo de celebrar Deus não se mandam por decreto político.

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